top of page
  • Foto do escritorComunica Uerj

Uerj muda o critério de correção da redação

Atualizado: 1 de dez. de 2023

Em entrevista exclusiva ao COMUNICA, coordenador do Vestibular, Gustavo Bernardo Krause, diz que antigo método engessava e nivela por baixo os candidatos


foto: reprodução Uerj


Por Angelo Henrique



Professor há cerca de 50 anos, Gustavo Bernardo Krause compõe o quadro docente de Teoria Literária do Instituto de Letras da Uerj e é, desde 2016, quem dirige o Dsea, o Departamento de Seleção Acadêmica da Uerj, setor responsável por todas as etapas do Vestibular Estadual e também pelos processos seletivos de ingresso ao Cap-Uerj, o Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira.



Experiente em bancas de elaboração e correção de exames de seleção, Gustavo Bernardo é um dos implementadores das últimas mudanças do Vestibular Uerj. Começamos nossa entrevista comentando o retorno, com o Vestibular Estadual 2024, do modelo de certame anterior à pandemia.



Com a sua vasta experiência como professor e também como diretor do Departamento de Seleção Acadêmica da Uerj, como o senhor enxerga a retomada do Vestibular Uerj em fases?


A retomada do nosso modelo é vital. A gente teve que condensar no exame único por conta da pandemia. Toda hora a gente tinha que remarcar o exame de vestibular e não havia condições nem de prever como seria o calendário. A gente fez, em alguns anos, o exame único. Só que o exame único facilita uma quantidade absurda de empates. Ele não discrimina bem, não espalha bem as notas e, portanto, gera - no mínimo - injustiças, como pessoas com a mesma nota que são prejudicadas por conta da idade ou por conta de um detalhe nos critérios de desempate.



A retomada do nosso modelo tem várias vantagens: primeiramente, ele ajuda o candidato a estudar e a se habituar à situação de exame público, com milhares de candidatos, que é bastante tensa. Ajuda no hábito de as pessoas irem estudando. Inclusive, tem essa ideia de progressão: o primeiro exame é mais geral; o segundo, um pouquinho mais específico; e o discursivo, bem mais específico, já que são duas provas discursivas em função da área do curso escolhido, e a redação para todos os candidatos.



A gente tem essa ideia de que ele (o vestibular em fases) discrimina bem melhor. É mais justo. É melhor para os candidatos. É melhor para a gente. E trabalha valorizando as duas formas de produção de conhecimento que são conhecidas na escola, isto é, as provas objetivas e as provas discursivas. Esse modelo se impôs a ponto, inclusive, de ele estar sendo aventado para o Enem, para um futuro. Um futuro que nunca chega, no caso do Enem, mas que promete ser um exame de uma parte discursiva e uma parte objetiva.



O Enem tem algumas qualidades, pela perspectiva de ser um vestibular que abarca toda a enorme diferença nacional, mas tem vários problemas: a prova não é orgânica, não é feita como prova. É uma prova extremamente cansativa, porque cada questão tem seu texto, o que gera uma leitura enorme e vira uma prova de resistência.



Um problema da redação do Enem, por exemplo, é a correção fragmentada. Você fragmenta em cinco competências ou cinco critérios. Essa correção facilita que ninguém dê zero e ninguém dê duzentos, ou seja, ninguém tira mil. O número de notas mil é ínfimo. Isso “empastela” as redações no meio, ficando uma média entre quinhentos e seiscentos pontos. A redação da Uerj já foi assim e tinha esse mesmo efeito. Os melhores professores - e eu me incluo (risos) porque trabalhei com a redação por quase 30 anos - davam a nota e depois faziam uma soma nos critérios para dar na nota que queriam dar ao candidato. Assim, driblava-se essa divisão de critérios.



A gente assumiu isso: fazer uma correção holística. Esse tipo de correção, inclusive, empodera o corretor. Pela experiência dele, ele olha a redação e já sabe a nota. Discute-se antes um dia inteiro a redação e faz-se o treinamento.



Como a Uerj não adota uma correção de redação engessada e com recortes de pontuação para os corretores seguirem, como os alunos devem se preparar para esse modelo de prova?


Acho que a primeira parte é entender a proposta e atendê-la. É comum o candidato pegar uma parte da proposta e esquecer a outra, porque normalmente há diferentes questões ali. O segundo ponto é tentar realmente ter uma opinião e defendê-la. Por isso, tem que se preparar para tal: tentar evitar reproduzir - como muitos ainda fazem - o modelo do Enem na Uerj, com aquela coisa da proposta de intervenção, que a Uerj não pede. Pode até caber, se fizer muito bem, mas não pede. Então, normalmente fica artificial.



Outra coisa que eles (candidatos) aplicam muito e devem evitar é a citação aleatória de filósofos, escritores, pensadores. Muitas vezes, erradas. Coisas que estão na internet, de Clarice Lispector, de Sartre, que, às vezes, eles nem falaram. E mesmo que tenham falado, quando não se lê o livro todo, aquela citação fica quebrada. E, quando o professor do cursinho sugere algumas citações, vários usam. Então, fica claro que aquilo é treinado. Isso derruba as pessoas. Não leva ao zero, mas leva para baixo.



O treinamento para a redação, através de fórmula - não de ajudar a pensar, mas de conectivos e estruturas - ajuda os muito fracos, porque padroniza e leva para uma média, o 5 ou 6, o que para os cursos mais concorridos não adianta nada. Para eles (os cursos mais concorridos), você precisa tirar mais do que 8, algo como 9 ou 10. Entre os melhores, leva para a média também, quer dizer, mediocriza.



Você vê que as pessoas têm conteúdo, têm condições de escrever, mas foram treinadas. Não escrevem como elas pensam. Escrevem num determinado padrão, que não combina. Inclusive, com escrita, às vezes, usando coisas que não se vai jamais usar no cotidiano, como mesóclise. Primeiro, é horrível; segundo, não faz o menor sentido.



Muitos candidatos aprenderam a falar difícil. Quanto mais difícil, mais erro. Tem que tentar falar - claro, numa linguagem com registro formal - mas do seu jeito, com seu pensamento. Quanto mais você concorda com o que diz, melhor você escreve. Como você tem que se destacar de algum modo, esse destaque vai ser mais fácil de buscar na sua própria reflexão.



É natural, sobretudo, para os cursos mais concorridos, que os alunos busquem, nas respostas discursivas, demonstrar todo o seu conhecimento sobre o assunto. Enquanto banca e pensando no processo de correção, que conselho é possível dar a esses candidatos sobre a construção das respostas?


O ideal é responder só o que a pergunta pede. Quanto mais você cresce, mais chance de errar. O ideal é responder o que está sendo pedido, é tentar responder explicando exatamente o raciocínio. Na área de humanas, essa explicação é quase uma redaçãozinha. Uma resposta lacônica não é suficiente.



Na área de exatas, infelizmente - na minha perspectiva - pode ainda ser suficiente. Eu já tentei discutir isso com as equipes, mas não é nem realista, porque não é o que as escolas fazem.



As provas de química e de física têm um número enorme de zeros, porque há toda uma vinculação com fórmulas ou contas que, qualquer dificuldade, se erra feio. A tendência, principalmente nas outras áreas, é você responder o que está sendo perguntado. E, num cenário de humanas, você realmente explicar, ou seja, sustentar a sua explicação, fazendo um minitexto.



Alguma orientação mais pragmática sobre as provas discursivas?


Não saia do espaço, porque é problemático para a correção. Não escreva em outro espaço, o que muita gente faz. Evite a tentação - que vários fazem, apesar de explicado na capa, no edital e em muitos lugares - de assinar a prova: assina a prova, identifica o candidato, é zero. Desclassificação direta. Na redação, isso é muito comum.



É bom evitar ser esperto, quer dizer, tentar alguma cola, mesmo eletrônica. Hoje é muito fácil identificar. Às vezes, as pessoas vêm com um ponto (eletrônico) e dizem que é problema de surdez. Eu uso aparelho de surdez, então oriento os fiscais a identificarem.



Como os candidatos podem e devem se preparar para a reta final do Vestibular Uerj?


Já está no final, né? (risos) Então, uma revisão das questões. As palestras ajudam a fazer essa revisão. Elas ficam sempre gravadas e depois disponibilizadas na internet. As palestras são - em absoluta maioria - excelentes. A última palestra de redação que foi dada pelo Felipe Mansur, que é professor aqui da Letras, foi excepcional, sobre O menino do Pijama Listrado, do John Boyne. A professora da palestra do livro Coração, cabeça e estômago é também da Letras e é especialista em Camilo Castelo Branco.



Agora, é continuar a se preparar: evitar, obviamente, virar a noite, se esgoelar… Tentar se acalmar é importante. Não ficar sem vida nenhuma. É preciso tentar dividir bem o tempo para poder ir bem. Chegar aos lugares de prova com o máximo de antecedência possível, para poder se ambientar com calma. Se possível, não levar celular. Muita gente leva, e, mesmo desligado, desperta. Nesses casos, o candidato é eliminado.



Alguma dica especial para a tão aguardada prova de redação?



Isso vai muito de candidato para candidato, mas eu recomendo não fazer rascunho. Acho que é legal fazer um esboço da redação. Deixa ali o seu inconsciente elaborando enquanto você faz as outras provas. Depois escreve direto, devagar, com calma. Uma ou outra rasura não é problema. A prova toda rasurada é.



Faz com calma, com letra razoável, porque isso é um problema para a correção. Uma redação que o corretor tenha que reler já caiu. Já despencou dois pontos, no mínimo. Busque sempre ser bem claro. Clareza é a primeira obrigação. Frases muito longas são problemáticas. É muito difícil não errar nelas. O ideal é fazer frases curtas ou médias.

Não há nenhum problema em repetir palavras. Se você repete uma palavra, numa frase, como sujeito, em outra, como objeto, está perfeito. O que você não pode é repetir a mesma estrutura.



Não há nenhum problema em usar a primeira pessoa ou dizer ‘eu acho que…’. Só não pode repetir. Inclusive, ajuda a pensar. Hoje, a maioria das pessoas que escrevem em jornal assinado (colunas), está em primeira pessoa. Escrever no plural de modéstia ou na terceira pessoa é redação século XIX. Óbvio que eu tô lutando contra muitos professores, mas é isso. A dissertação é uma defesa de uma opinião, então como o candidato não pode dizer sua opinião? Procure se organizar para fazer a prova. De resto, é dar o seu melhor, mas tem que ter calma na hora.



A última etapa do Vestibular Uerj 2024 ocorrerá no próximo domingo, dia 4 de dezembro, das 9h às 14h. A palestra referente ao livro da prova de redação está disponível em Ciclo de Palestras do Vestibular 2024 - O Menino do Pijama Listrado | AO VIVO - YouTube, em que é possível encontrar uma playlist com a palestra acerca do livro da prova de língua portuguesa e literaturas e também sobre redação argumentativa. Boa prova aos candidatos.


847 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page