‘Temos que produzir espaços que produzam vida’, diz coordenadora do Sasu
- Comunica Uerj
- 30 de set.
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Anália Barbosa recebe o COMUNICA no Serviço de Acolhimento à Saúde Universitária (Sasu), projeto concebido pela Uerj em parceria com o SUS.
Por: Pedro Câmara
No subsolo do Campus Maracanã o ambiente é simples: perfumado por óleos essenciais, sem muitos adornos, e com música relaxante no fundo. A aparência, porém, não traduz a dimensão da proposta do espaço. A primeira conversa tem como objetivo conhecer e entender a emergência inicial do paciente, se há uma crise iminente, momentânea ou recorrente. Se há um sofrimento pela sobrecarga nos estudos ou simplesmente pela falta do uso de preservativo numa relação sexual. Os problemas são de todas as ordens e o acolhimento é preparado para lidar com diversas situações servindo como um espaço de acolhimento para todo ecossistema da Uerj: alunos, docentes, servidores e terceirizados.
O Sasu é um projeto que vem sendo desenvolvido desde 2023, quando diversas instituições se comprometeram a institucionalizar projetos com relação ao cuidado e saúde. Sonho antigo dos alunos da universidade, o Sasu tem como objetivo fazer uma escuta qualificada dentro de uma política de cuidado com o aluno. O serviço funciona de segunda a sexta, das 8h às 16h, e no momento conta com um profissional em cada área, com possibilidade de expansão: Serviço Social, Psicologia, Enfermagem e Medicina.
A saúde mental entre os jovens já vinha piorando desde 2012 se ampliou pelo período pós-pandemia e os fatores são inúmeros: jornadas de trabalho mais exaustivas devido ao home office, a ausência do convívio social entre adolescentes em ambientes escolares, a convivência mais intensa com os pais e, principalmente, o contato intermitente com telas e ambiente digital. Os números são somente um espelho do esgotamento mental sofrido pelos jovens; a depressão por exemplo é uma das principais causas de doença entre adolescentes. Segundo o Instituto Cactus, em uma pesquisa realizada para medir a saúde mental de jovens e adultos em resultados que vão de 0 a 1.000. O índice da faixa de jovens entre 16 e 24 anos foi de 534 pontos enquanto a média nacional foi de 635. Com base nas duas semanas antes das pesquisas, eles responderam perguntas a respeito de sua saúde mental e o resultado foi ainda mais preocupante; 45% afirmaram não ter saído com amigos no período, 80% relataram baixo interesse e prazer em atividades diárias e 90% contaram sentir cansaço ou falta de energia.
Anália Barbosa, coordenadora de Acolhimento à Saúde Mental do Sasu, afirmou que o acesso a múltiplas telas e expectativas inalcançáveis criada por influencers, familiares e amigos têm criado uma geração que tem muita dificuldade em lidar com a frustração pois o usuário recebe a todo tempo estímulos e expectativas que não se concretizam a cada minuto dentro das redes sociais e que vão se agravando num processo acumulativo que não dá a esse jovem tempo de maturação para lidar com as frustrações pois se está num ciclo vicioso de alerta para novos estímulos dopamínicos.
O apoio do SUS é fundamental para o funcionamento do projeto, pois ele dá uma garantia no encaminhamento feito pelos atendentes do Sasu. O intuito do projeto também passa por instruir o paciente a buscar atendimentos perto de suas áreas, como em Clínicas da Família ou o Caps. Para que o projeto alcance os estudantes, Anália reitera que, além da comunicação feita via redes sociais, estão sendo feitas rodas de conversa com os centros acadêmicos para falar, não só do serviço, mas também para ampliar o debate em relação à saúde mental dentro do espaço estudantil. Além disso, utilizar projetos de extensão como via de mão dupla para divulgar a existência desse tipo de acolhimento será fundamental.
O Sasu também fará parte de um sistema de assistência psicossocial que já é composto por várias frentes de atendimento realizadas pela Uerj como o Serviço de Psicologia Aplicada, que é feito por alunos a partir do quinto período em um sistema psicoterapêutico que presume a inscrição prévia feita a cada semestre para o atendimento. Entre outros serviços mais especializados estão a Unidade Docente Assistencial, inaugurada em 1975, em uma vila localizada no Hospital Pedro Ernesto onde são realizados atendimentos integrados, consultas e internações curtas além do Caps-Uerj, inaugurado em 2012 sendo o único Caps universitário do país.
Nesse panorama, o Sasu ocupará uma lacuna em um espaço importantíssimo e momentâneo de ser o porto seguro para a comunidade da universidade. Em um projeto inspirado nas práticas portuguesas psicossociais em que se observa o sofrimento psíquico não pelo risco, como geralmente é em hospitais e sim pela dificuldade de resolução desses problemas pelos pacientes. E é preocupado com o estado de saúde não só mental como física da comunidade que ao escutar angústias, medos e desafios enfrentados pelos mesmos, o projeto deve quantificar isso em dados para transformar em novos projetos que canalizam esses sofrimentos para produzir soluções.
Os dados ainda são iniciais, o serviço ainda é recente, com pouco mais de uma semana de funcionamento, mas apesar de estar em fase inicial, de acordo com a coordenação o Sasu projeta-se para um futuro em que se vejam os problemas como ansiedade, depressão e cansaço não como algo individualizado e sim como um problema coletivo, que na visão da iniciativa, deve ser entendido e combatido como tal, seja em espaços de cultura, arte ou rodas de conversa. Ela admite a culpa da sociedade e também da universidade ao produzir esse adoecimento coletivo, mas não observa isso por uma ótica ruim ao concluir: “Não se pode medicalizar o sofrimento, medicalizar a vida. Daqui a pouco vai ter que medicar todo mundo. Temos que produzir espaços que produzam vida, e não só sofrimento. Ninguém aguenta isso.”
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