Presença indígena na Uerj: sobrevivência e opressão estrutural
- Comunica Uerj
- há 7 dias
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Mesmo com avanços nas políticas de cotas, permanência e reconhecimento na universidade seguem marcados por exclusão, racismo e apagamento cultural.
Por: João Otávio Alves
Foto: Tãngwa Matu

As influências dos povos originários no Brasil podem ser observadas em detalhes pouco notados por algumas pessoas. O nome do campus Maracanã da Uerj, por exemplo, tem origem do termo usado pelo povo tupi para se referir a um pássaro de presença numerosa na região sudeste do país. O curioso de se pensar, nesse caso, é como a história desses povos é apagada, mesmo com sua presença cultural sendo vista na nossa sociedade. É fato que a população indígena do Brasil é invisibilizada e estigmatizada, de forma que mentes retrógradas enfrentam certa dificuldade em assimilar a existência dessas pessoas no seu convívio — e em se desprender de nomenclaturas preconceituosas. Porém, pessoas de diversas etnias indígenas estão presentes nos ambientes cotidianos, inclusive no acadêmico.
A exemplo disso, a Pró-reitoria de Políticas e Assistência Estudantis da Uerj (PR4) divulgou que, em 2025, 43 estudantes ingressaram na universidade por reserva de vagas em cotas de povos indígenas. Ademais, o relatório estatístico da Uerj referente ao ano de 2022 apresentou números detalhados sobre os ingressantes por tipo de cota. Segundo o documento, de 2018 a 2022, o número de alunos ingressantes foi de 10 até 24 estudantes. Três anos depois, ainda vemos um crescimento desse número.
Ao considerarmos que esses dados refletem a realidade da presença indígena na universidade, uma questão de alerta é levantada: como se dá a permanência desses estudantes? Quais os enfrentamentos que esses alunos e alunas teriam que lidar durante sua graduação? Afinal, de que adiantaria a expansão do alcance das cotas para a maior recepção dessas pessoas sem a construção de um ambiente confortável a elas? A partir dessa perspectiva, o estudante de história pela Uerj Tãngwa Matu de Oliveira Batista ou Tãngwa Matu Puri, conta sobre as suas experiências no ambiente acadêmico.
Tãngwa, de 26 anos, é morador de Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, e integra o coletivo indígena da Uerj. Pertencente à etnia Puri, ingressou por cotas na universidade e hoje está em seu quinto período. Em sua chegada, ele relata ter sido bem recebido pelos alunos e atuais colegas de curso, mas seus problemas maiores vieram na relação com os docentes. Entre os professores que adotam uma postura de pedir para que Tãngwa intervenha nas aulas caso falem algo errado — mesmo ele não sendo um porta voz de todos os povos indígenas — e os que, sabendo de sua etnia, tentam se desviar de assuntos relacionados para não perguntar e gerar um desconforto, Tãngwa percebe uma postura de despreparo. Ele relata que, apesar de a historiografia apresentar muitos estudos que trabalham com a desconstrução, pondo o indígena como agente, alguns professores ainda assim não sabem abordar tais questões devidamente. Em relação ao seu nome, por exemplo, muitos professores — doutorados, muito bem estudados — diziam ter dificuldade em pronunciá-lo, o que o aluno atesta ser irônico, uma vez que a mesma dificuldade não é atribuída ao aprendizado de outros idiomas.
Tãngwa conta como existe uma visão acerca de indígenas sendo objeto de estudo, pessoas distantes, como se não estivessem presentes nos espaços compartilhados por outras pessoas. Apesar do acolhimento de seus colegas de curso, essas microviolências que sofre parecem o afetar muito mais. Contudo, ainda adota mecânicas de resistência em sua permanência na academia.
Mesmo com todo racismo recreativo com o qual precisa lidar, Tãngwa busca sempre estar se reunindo com seu povo, falando em sua língua, fazendo seus cantos, fazendo fofocas, se nutrindo da coletividade. Em seu cotidiano na universidade, passou a usar da educação constrangedora para lidar com professores, os que o violentam, os que insistem em não aprender seu nome. Em suas atividades acadêmicas, como forma de fortalecimento, passou a evidenciar como a faculdade age por meio do apagamento; construindo o ensino enquanto certeza, mas se valendo a partir da negação de outras epistemologias. “Eu preciso saber das regras do jogo para saber desmontá-lo. Estando aqui, eu aprendo quais questões eles vão usar para validar os próprios conceitos, para que eu mostre quais são as problemáticas dessa validação que estão construindo”, afirma Tãngwa.
Com todas essas vivências permeadas pelo racismo, torna-se difícil ter uma visão positivista em relação aos caminhos para a permanência digna de estudantes indígenas na universidade. Contudo, antes da permanência, Tãngwa aponta para uma outra questão primordial: a entrada. As cotas que reservam vagas para povos originários são divididas com pretos e pardos, afunilando ainda mais o ingresso. Apesar dos argumentos sobre a menor presença indígena, o Censo de 2022 do IBGE aponta para cerca de 6 mil indígenas no Rio de Janeiro, um número considerável para um grupo que ainda precisa dividir vagas com outro também marginalizado. Mais uma questão agravante é a de nem todos indígenas terem o português como língua materna, precisando se alfabetizar em uma língua e aprender o português para então fazer uma prova nesse idioma — prova essa que será pautada por uma estrutura de pensamento totalmente diferente da aprendida por aquele indivíduo. Nesse cenário, antes mesmo de pensar a permanência dessas pessoas, é preciso dar atenção a seu ingresso.
A partir dessas reflexões, vemos como é preciso repensar a estrutura da universidade como um todo, a forma de ingresso, a hierarquia e a epistemologia — todas pensadas para a branquitude. Essas questões, no entanto, são apenas reflexos da nossa sociedade, atestando o quanto ela também precisa mudar primeiro, antes da mudança do ambiente acadêmico. “A universidade não é um espaço separado da sociedade, a sociedade também é desse jeito. Acho que as mudanças não vão acontecer de dentro da universidade para fora”, ressalta Tãngwa.
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