Entre luto e saudade, filme é uma nova mensagem diretamente de seus heróis para pessoas pretas.
“Em minha cultura, a morte não é o fim!” (Pantera Negra: Wakanda Para Sempre).
O filme começa com uma despedida formal de T’Challa e de seu intérprete, o ator Chadwick Boseman, que faleceu em 2020 em decorrência de um câncer muito agressivo. A cena de seu funeral é muito profunda, o adeus foi algo que conectou pessoas dentro e fora das telas. Ver um herói que nos conquistou tão rápido partir com a mesma velocidade não é fácil, pelo menos não para mim. E isso fez com que nós, fãs, ficássemos ansiosos para saber quem assumiria o manto do Pantera Negra.
“Wakanda Para Sempre” é o último filme da fase quatro do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), e nesse longa o povo wakandano tenta se reinventar após a derrota de Thanos e criar forças para se manter de pé após a morte de seu rei. Enquanto isso, o mundo ocidental viu nisso uma oportunidade para usurpar a maior riqueza deles, o vibranium, matéria prima de toda sua tecnologia, utilizado para construção de armas de destruição em massa. Seguindo uma linha bastante progressista, a sequência de “Pantera Negra”, assim como vários dos filmes recentes da Marvel, fala bastante sobre pautas sociais como extrativismo e consumo em massa, revisionismo histórico, colonialismo, as perspectivas dos povos milenares de Wakanda e, agora, Talokan. O reino subaquático se esconde do mundo da superfície pelo mesmo motivo que os wakandanos: para proteger a si mesmos e seus recursos naturais, mas quando o governo estadunidense invade os seus domínios, um novo conflito começa entre o povo do oceano e o resto do mundo.
Muitas coisas me chamaram a atenção no longa metragem, vou pontuar com calma. O primeiro ponto é que diferentemente dos outros filmes de heróis, esse tem um uma linguagem mais séria, é como se a serenidade e a seriedade da ausência do T’Challa penetrassem todas as partes da produção. As piadas foram amenizadas, as trilhas sonoras melancólicas para diálogos e músicas de ação para as lutas são o padrão, mas a curadoria inovou ao misturar artistas africanos, estadunidenses e hispânicos para o trabalho. O diretor do filme, Ryan Coogler, que também dirigiu a primeira versão, retornou prezando ainda mais pela valorização da ancestralidade, dos valores africanos que influenciam Wakanda e a ideia de fraternidade. Foi muito bonito ver todo o respeito que a direção teve por tudo, esse foi o diferencial de se ter um diretor preto para falar da maior potência humana da Marvel, que é um povo preto.
Qual a saudade que um filho, um irmão e um amigo pode deixar? O caminho que a Shuri percorre é sem precedentes. Ela perdeu o pai anos antes, logo em seguida o irmão, após a maior batalha de suas vidas, e a mãe, ainda de luto pelos dois. O desafio dela foi metabolizar todo esse sofrimento em tempo recorde para poder ajudar o seu povo. O dilema moral que ela enfrenta entre perdão e vingança é muito familiar para mim e para vocês também, tenho certeza, pois é algo que já vimos com Wanda Maximoff em "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura".
Foi interessante também a redistribuição de papéis na narrativa que acontece depois da morte do rei. Shuri, irmã de T’Challa, evidentemente assume o manto do Pantera Negra e se torna a nova protetora, mas antes disso, percebi que tanto ela quanto Ramonda, Okoye, Nakia e M’Baku tomam a frente da história, cada um em sua posição social. Essa diluição do protagonismo permitiu que eu pudesse presenciar um fenômeno até então inédito na Marvel: a individualidade e a força de pessoas pretas, sobretudo de mulheres pretas; tudo isso sob o pano de fundo de acolhimento e apoio mútuo da família. Não é de se estranhar que o público tenha se identificado com a história, porque assim como eles, também perdemos pessoas na pandemia e não pudemos parar por nada; e não de se estranhar que tenham chorado ao fim do filme, por que eu também o fiz. Wakanda para sempre!
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