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O mar é um universo à parte que tem muito a nos ensinar

  • Foto do escritor: Comunica Uerj
    Comunica Uerj
  • há 1 dia
  • 4 min de leitura

Comunicação é muito importante em nossas vidas, mas é no silêncio que tudo, de fato, se constrói


Por: Carlos Roberto


A imensidão azul. Como é lá? É imenso e… azul. Assim responde o carismático peixinho Nemo quando perguntado de onde vem. O filme Procurando Nemo, lançado há 22 anos, traz diversos recortes da realidade, embora seja uma animação. Muito divertida, diga-se de passagem. Uma dessas partes que deflagram a verossimilhança externa é justamente essa resposta do personagem, que fora concedida a Bubbles, um peixe do aquário onde Nemo foi colocado após ser capturado por um dentista e que sequer chegou a conhecer a magnitude dos oceanos. Se a criaturinha branca e laranja e seus companheiros do cubículo de vidro e água não desbravaram muito o seu verdadeiro habitat, nós menos ainda. Segundo dados emitidos em 2022, pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), conhecemos em torno de 20% do que cobre 70% da Terra. É um planeta à parte. Mas não é apenas do mar que vamos falar e, desta vez, os peixes não vão ser os personagens principais, e sim, os mamíferos que habitam as águas. 


É difícil sair de um universo observável e de fácil acesso como o dos pássaros e mergulhar (um trocadilho inevitável) nas profundezas de rios, lagos e mares. Para isso, dirigi-me ao Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores (Maqua/Uerj), localizado no quarto andar do prédio da universidade, na faculdade de oceanografia.




           Reprodução: arquivo pessoal/ Carlos Roberto 

Entrada da Faculdade de Oceanografia. À esquerda, na sala 4.002, fica o Maqua
Entrada da Faculdade de Oceanografia. À esquerda, na sala 4.002, fica o Maqua

Contando com a ajuda do professor Alexandre Azevedo, pude entender, por meio das últimas pesquisas (que renderam cinco teses de doutorado), os efeitos das mudanças climáticas para os mamíferos marinhos. Preferi iniciar o percurso submarino focando nesse assunto porque não se pode deixar de abordar esse postulado, uma vez que o aumento da temperatura dos oceanos, o derretimento das calotas de gelo e o aumento do nível do mar representam um desequilíbrio do ecossistema, haja vista que essa classe está no topo da cadeia alimentar e é responsável pela ciclagem de nutrientes. A costa é a região mais impactada junto a essas mudanças, o que afeta nas relações com os mamíferos terrestres costeiros, no deslocamento para a busca de alimento e, consequentemente, no processo de reprodução. Espécies como os peixes-bois, ursos polares, pequenos e grandes cetáceos como os botos (um dos grandes ícones do laboratório) e as baleias, respectivamente, estão na lista dos animais ameaçados por conta dessas degradações.


Contudo, apesar do avanço sistêmico do modelo industrial daninho aos recursos hídricos, há de se exaltar a soma de esforços das comunidades ribeirinhas, indígenas e de pescadores que, junto à comunidade acadêmica, compartilham saberes e experiências para proteger as vidas neste ecossistema. O professor destaca os trabalhadores da pesca, que fazem da atividade uma forma de subsistência e, ao mesmo tempo, indicam a ocorrência e a distribuição de golfinhos e de baleias — os principais seres de estudo — em determinadas áreas. Em troca, a universidade leva informações que vão ser importante para o dia a dia, como o índice de chuvas, eventuais mudanças das marés, temporadas de reprodução. Onde há confluência de saberes há também cuidado, respeito e sinergia com o meio ambiente, aspectos desprezados nos modos de produção que exploram recursos objetivando exclusivamente o lucro.


    Reprodução: Facebook/Maqua Uerj - Botos, Golfinhos e Baleias 

Estudantes do Maqua em apresentação de trabalhos na Uerj sem Muros
Estudantes do Maqua em apresentação de trabalhos na Uerj sem Muros


E esses saberes passam por histórias incríveis e inusitadas. A que mais me causou vislumbre foi há cinco anos, quando um grupo enorme de golfinhos com as mesmas características (os chamados grandes cetáceos) foi visto entrando no canal do Cunha, próximo da Linha Vermelha, e saindo pelo Caju. A expedição — por que não chamar de “Linha Cinza”, em alusão ao trajeto da via expressa? — foi em busca de um cardume de tainhas. Foi um episódio surpreendente e, quem pôde testemunhar uma quantidade quase que imensurável de golfinhos naquela região, hoje dificilmente pode vivenciar cenas como essa. O crescimento desordenado e as grandes alterações no ambiente dificultam o acesso ao canal. O som, principal recurso utilizado por eles, é atrapalhado pelo cenário ruidoso e estressante das cidades. 


Reprodução: Facebook/ Maqua Uerj - Botos, Golfinhos e Baleias

Golfinho-nariz-de-garrafa fotografado pelos estudantes
Golfinho-nariz-de-garrafa fotografado pelos estudantes

Isso me fez lembrar de um episódio do podcast Rádio Novelo Apresenta, mais precisamente o de número 102, apresentado por Branca Vianna, que, intrigada com os mistérios dos sons dos oceanos, conduziu a mesa com a jornalista Ana Pinho e convidou Liz Bittencourt, oceanógrafa de formação e pesquisadora em pós-doutorado do Maqua/Uerj, trabalhando com pesquisa em poluição sonora e bioacústica de cetáceos. A bioacústica é o som da vida, e debaixo d’água é fundamental para a comunicação, porque os resíduos, como o xixi que seu cachorro faz no poste para marcar território, se dispersam muito rapidamente, e as cores vão ficando mais pálidas. Mas o que continua viajando é o som, como aponta Vianna. No episódio, somos levados a relembrar o atentado de 11 de setembro, quando os tráfegos aéreo, marinho e terrestre foram interrompidos. Foi possível, então, ouvir o limpo e autêntico som do mar, desde o canto melodioso dos cetáceos até o estalido das cracas na costa e nos cascos dos barcos. Experiência que durou pouco tempo, mas suficiente para entender que existe uma enorme rede de comunicação abaixo do nível zero. Os resultados mostraram que, através da coleta das fezes da baleia-franca, analisou-se a diminuição do estresse delas. Foi como mágica, mas na verdade é apenas um exercício que muitas vezes esquecemos de fazer, quer seja pela rotina barulhenta e pesada ou pelo uso frequente dos fones de ouvido e exposição às telas. Quem diria que as baleias fossem nos ensinar tanta coisa! O silêncio é importante para a qualidade de vida, auxilia na redução do estresse e melhora o processo de comunicação, que fica mais fluido e leve. O fatídico momento da pandemia da Covid-19 também trouxe o silêncio, ainda que tivesse feito sua curta apresentação nas ruas. Se pudéssemos fazer o esforço, ainda que de forma reduzida, pois a correria por vezes impede um exercício mais elaborado, quem sabe possamos dar valor à qualidade e ao poder que a voz do silêncio pode nos trazer.





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