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O despertar do antiquário


Foto: Pexels


Por Gabriel Amaro


No coração da cidade de São Paulo, em uma rua cinzenta, encontrava-se um pequeno antiquário cujo dono, chamado Severino, era um sujeito que beirava os 70 anos e que detestava mudanças.


Severino era um homem das antigas, que se apegava a todo tipo de coisa, dos objetos de seu antiquário até os próprios cabelos, que insistia em não cortar. Para ele, o conceito de desapego era um absurdo, quase uma heresia, especialmente num mundo que parecia estar numa corrida frenética para se livrar de tudo.


Sua rotina, tão imutável quanto a sua obstinação, era repleta de atividades que o mantinham preso ao passado. Isso incluía sua ida diária ao seu antiquário, onde ele gastava o dia todo examinando, limpando e admirando seus preciosos objetos antigos, geralmente sozinho. Mas um dia, ao acordar e colocar seu par de chinelos surrados – vale dizer que Severino recusava-se a trocá-los há muitos anos, apesar dos protestos da filha – algo aconteceu que mudou para sempre a vida do velho antiquário.


Ele encontrou um objeto embrulhado em papel pardo, cuidadosamente deixado na entrada de seu estabelecimento. Severino, com uma expressão de desconfiança, olhou ao redor tentando identificar o remetente misterioso. A rua estava vazia, e ele só ouvia o barulho do vento sussurrando entre as ruas de paralelepípedo. Intrigado, ele abriu o pacote: era um relógio de bolso antigo. Severino apreciou o objeto com um sorriso de satisfação; com sua experiência, ele poderia afirmar que o relógio tinha ao menos um século de existência. Ao tentar ajustar a hora percebeu que a peça não estava funcionando. “Ah, coitado. Ficou preso no tempo, como eu”, pensou o velho homem. Aquela semelhança infeliz entre eles fez com que o antiquário prometesse devolver vida ao relógio.


Determinado a consertá-lo, ele passou dias e semanas mergulhado nessa tarefa. Foi se desapegando de sua rotina para dedicar-se integralmente à missão, que naquele ponto era uma questão de honra.. E assim, de maneira inesperada, o relógio se tornou sua companhia constante. No dia em que finalmente conseguiu cumprir seu objetivo, Severino o segurou com um misto de triunfo e melancolia. Ele percebeu que, em sua busca para dar vida a esse objeto, havia aprendido uma lição importante sobre o desprendimento. No final, o que tinha mantido aquele relógio parado não era o tempo ou a idade, mas sim a falta de atenção e cuidado.


Ele olhou para sua loja, para seus objetos, e sentiu algo diferente. Não era apego e nem o inverso. Era algo mais sutil e poderoso: o reconhecimento de que cada objeto carrega consigo uma história, um fragmento de tempo que já passou. Em meio a todo seu antiquário, Severino entendeu que a vida é uma sequência de desapegos. Ainda que nem sempre para se livrar do passado, mas para abraçar o novo, para dar espaço ao tempo e deixar que ele flua. Superar todas as mágoas antigas. O relógio em sua mão não era apenas um objeto, mas sim uma lembrança da inevitável passagem do tempo.


Com uma risada baixa e fraca, Severino pensou consigo mesmo: "Quem diria que um relógio parado faria o que minha filha não conseguiu em anos." E, naquele momento, entendeu que a vida só tem sentido quando está em movimento. E que, por mais que nos apeguemos, é preciso aprender a dizer adeus e se permitir passar por mudanças. Foi uma lição que levou uma vida inteira para aprender, mas, como dizem por aí, nunca é tarde demais.


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