Foto: Josephine Cardin
Por Yasmim Cavalcanti
Conversando com minha amiga durante o almoço de uma sexta-feira de feriado prolongado, ela trouxe à mesa mais que batata-palha para acompanhar o strogonoff de frango: seu desejo por fazer uma cirurgia plástica no rosto. E o tempero final que desencadeou essa vontade por uma mudança foi sua dermatologista, a qual numa consulta para falar sobre seu problema de olheiras, à perguntou quantos anos ela tinha e que não parecia estar no auge de seus 24 já que, segundo a médica, seu rosto estava muito caído e precisaria de preenchimentos de nomes difíceis e caros. E como se não bastasse, também criticou seu nariz por ser desproporcional, que parece não ter osso, como se fosse uma batata – exatamente com essas palavras que minha amiga me contou. É, e mais uma vez não tinha a ver com a nossa batata-palha de antes. Agora, lá vai minha amiga juntar dinheiro para mudar o que antes não era problema. Como isso é possível?
Estamos vivendo em um contexto em que cada vez mais adolescentes antes de sua maior idade estão entrando em mesas de cirurgias plásticas, influenciados principalmente pelas redes sociais, por ter ao alcance das mãos influencers que mostram como ficaram depois de determinado procedimento estético, por exemplo. Peles perfeitas em seus filtros. Não só pele, mas lábios maiores, olhos já com cílios e delineados, mudam a cor do cabelo em um clique, afinam o nariz. Os filtros acentuam a distorção de imagem causadas nesses meios. O amor-próprio parece ser vendido em clínicas e a aceitação vem em seringas, bisturis e agulhas que perfuram seu corpo. A vida perfeita que também é exibida nessas redes é desproporcional à sociedade em que vivemos. Mas isso com certeza é tão amplo que fica para uma próxima conversa.
E não é apenas eu quem está falando isso tudo. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), dos quase 1,5 milhão de procedimentos estéticos feitos em 2016, 97 mil (6,6%) foram realizados em pessoas com até 18 anos de idade. Mas não para por aí. Nos últimos dez anos, houve um aumento de 141% no número de procedimentos entre jovens de 13 a 18 anos, segundo a SBCP. O Brasil está no topo de países em que mais se realizam cirurgias plásticas, ficando em segundo lugar no ranking realizado pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps). É uma indústria que ganha em cima das mulheres, que cada vez mais cedo aprendem a não gostarem de si próprias. E apesar de ter um aumento no número de homens que passaram a realizar também tais procedimentos, eles ainda seguem sendo a minoria afetada.
Durante a conversa, apoiei minha amiga e disse que se isso for ajudar na sua confiança, ela deve fazer, mas que antes ela pesquise sobre, veja um profissional qualificado e se é isso que ela quer fazer de verdade. O que me deixou reflexiva após esse almoço e até triste é que a dermatologista é uma mulher branca e minha amiga é uma mulher negra. O que fica claro é que o padrão de beleza é branco e que nunca vamos estar plenas em nossos corpos enquanto a indústria da moda e da beleza criarem esses padrões para ganhar dinheiro. Uma consulta na qual o paciente poderia se sentir acolhido, seguro e sair melhor, acaba se sentindo pior do que entrou.
E com isso não estou dizendo que o procedimento cirúrgico é o vilão que arruína nossa sociedade. Também levo em consideração que pode ser importante em certos casos, como na afirmação de feminilidade de uma mulher trans. Isso para elas não é só uma questão estética, mas também de saúde psicológica e afirmar quem são. O que devemos fazer é ter o acesso ao conhecimento tanto dos prós e contras da cirurgia, quanto conhecimento de quem nós somos. Saber que não existe apenas um tipo de beleza no mundo. Que já existir e resistir no mundo em que vivemos é mais que belo. Que o belo seja para além das aparências, mas a essência de cada ser.
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