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De visitante furtivo para vigilante, admirável mundo cão domina Uerj

  • Foto do escritor: Comunica Uerj
    Comunica Uerj
  • 7 de out.
  • 4 min de leitura

Cachorrinhos vistos de forma corriqueira no campus vivem de formas distintas, mas compartilham da mesma história


Por: Carlos Roberto


A expressão “mundo cão” é atribuída a um mundo bizarro e insano. No jornalismo é utilizado para designar manchetes inusitadas e sensacionalistas, como a do Maníaco Do Parque ou a do Palhaço Da Kombi. Coisas que nos causam medo, desprezo e ojeriza ao extrapolar os limites da sandice. Contudo, peço permissão aos linguistas, gramáticos e puristas para ressignificar a expressão, ainda que a vigência possa ser o final desta coluna. Afinal, o que impede de “mundo cão" fazer referência ao universo desses encantadores seres de quatro patas? Lulu Santos deve ter pensado o mesmo ao estampar na capa do álbum Mondo Cane, de 1992, um cachorro com uma postura descontraída, como quem posa para um ensaio de estúdio. E as faixas musicais nada aludem ao famigerado “mundo cão”, pelo contrário, falam de afeto, nostalgia e inocência. Esse universo canino é o que nos leva a pensar, enquanto estamos na Uerj, em um mundo particular o qual Pretinha e Banoffe são os personagens principais.

Quem passa pelo portão 4 na maioria das vezes vê uma cachorra de médio porte, de cor preta e branca, estampando uma roupa colorida como o arco-íris, sempre ao lado dos vigilantes do estacionamento. Pretinha é uma cadela muito dócil e amável, o que a fez cair nas graças dos habitantes do “Planeta Uerj”. Buscando saber sua história, dirigi-me à cabine do portão que corta a Rua Evanildo Bechara, e a encontrei dormindo serena e tranquila. Quando fui tirar uma foto, ela se levantou e mordeu-me a canela. Não esperava essa recepção tão calorosa em um dia tão frio, mas compreendo a razão que motivou o instinto de defesa. A vigilante da cabine, que preferiu não ser identificada, conta que foi por motivo de maus tratos, e ao encontrar seu refúgio, está em processo de adaptação junto aos tutores. A mordida foi dolorosa, mas foi perceptível o semblante de medo nos segundos que antecederam sua defesa. Depois ela se levantou e foi até a cabine onde a vigilante trabalha. Ela que lhe deu o nome Pretinha. Seria Juju, mas o primeiro foi o que caiu bem. Quanto ao Banoffe, ela não sabe a motivação para o nome, mas as cores da pelagem (caramelo e branco) remetem a uma das sobremesas mais famosas do bandejão. Ele vem, fica um curto período de tempo e vai para a rua. Mas a Pretinha sempre segue os vigilantes, seja quando eles trocam os turnos nos portões, na hora do almoço ou na saída do trabalho. Ela incorporou o espírito. É preciso, portanto, providenciar o seu crachá.



Reprodução: arquivo pessoal/ Carlos Roberto

Pretinha descansa na cabine de sua tutora, no portão 4
Pretinha descansa na cabine de sua tutora, no portão 4

Astúcia é a sua marca registrada desde o começo. Os vigilantes nunca haviam notificado a presença de cães naquele setor do campus. Ao observar um cachorro deitado todo encolhido, houve um espanto, e a vigilante até pensou se tratar de uma brincadeira, uma vez que seu colega costuma pregar peças. Mas na verdade era o estabelecimento de um laço de fidelidade, afeto e apego. A pequena cadela decidiu que ali seria o seu lar e, para explorá-lo, foi preciso ousadia. Diferentemente do Banoffe, um migrante esporádico que desbrava as ruas, ela subiu as rampas até o nono andar. O caso inusitado ocorreu no feriado de São Jorge. Será que pagou alguma promessa? É interessante também destacar a furtividade ao abrir a porta da cabine para descansar mesmo sem a presença da tutora, e a velocidade com a qual dispara pelos acessos do estacionamento. Temos uma cachorra atleta. Portanto, nada mais justo do que pedir para correr junto. Desde que eu não leve outra mordida.


Por falar em correr, se ela subiu até a rampa do nono andar, Banoffe foi mais além: a estudante de biologia Giovanna Hygino conta que ele foi visto próximo ao Norte Shopping, em Cachambi. Caso tenha gosto por shoppings, espero que ele possa conhecer o Boulevard que é bem mais próximo à universidade. Afinal, esses passeios longos causam preocupação. Por isso, um grupo de observadores voluntários criou um perfil no Instagram contendo informações sobre as restrições alimentares, bem como os cuidados necessários ao manter contato, haja vista as eventuais reações que são na verdade os gatilhos dos maus tratos. Vale frisar que não é culpa do animal. O instinto de defesa parte das vivências junto à degradação urbana. Portanto, ao encontrá-los, seja na concha acústica, no estacionamento ou em qualquer parte do campus, não oferte as sobras das quentinhas nem as sobremesas do bandejão, tampouco biscoitos, salgados. E ao querer fazer afago, caminhe lentamente e ofereça segurança e tranquilidade na abordagem. Nada de euforia na hora de tirar fotos. São medidas simples, mas vindas de uma mobilização que ajuda a proteger vidas.



Reprodução: arquivo pessoal/ Carlos Roberto

Banoffe na escadaria da concha acústica
Banoffe na escadaria da concha acústica

Os hábitos podem até ser distintos, mas o que os levou ao mesmo lugar foi algo em comum: o refúgio. Permanente, se formos falar de Pretinha, e intermitente ao se tratar de Banoffe. Outro elemento em comum é o carinho inesgotável que eles recebem sempre que são avistados. Em tempos de abandono de animais, crime previsto pela Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/1998) e do duro contexto da falta de cuidado, oferecer afeto a quem entende muito bem do assunto - e só não sabe falar - é um nobre e valioso gesto.





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