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Culto na Uerj reúne centenas de participantes e gera opiniões distintas nas redes

  • Foto do escritor: Comunica Uerj
    Comunica Uerj
  • 2 de set.
  • 5 min de leitura

Evento realizado pelo Ministério Aviva remete a debate sobre religião e Estado laico nas instituições públicas


Por: Alexandre Augusto


Reprodução: Unsplash

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Culto evangélico realizado na Uerj, no último dia 19 de agosto, gerou ampla repercussão nas redes sociais e reacende discussões sobre a presença de manifestações religiosas em instituições públicas de ensino. O evento foi promovido pelo Ministério Aviva, organização missionária protestante, que atua fora da universidade, liderada por Lucas Teodoro, missionário de 22 anos, natural de Goiânia e com forte atuação entre o público jovem.


Com cerca de 500 mil seguidores no Instagram, Lucas compartilha testemunhos de fé e trechos de suas pregações, incluindo o relato de sua suposta cura de um câncer. O missionário já percorreu diversas instituições de ensino superior com eventos semelhantes, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Brasília (UnB).


Na Uerj, a celebração reuniu centenas de participantes no espaço conhecido como Baleia, próximo à entrada 1 do campus Maracanã. A programação incluiu louvores, pregações e testemunhos, com uso de caixas de som que espalharam o áudio para além do local do culto, alcançando outras áreas.


O episódio ganhou maior visibilidade após uma publicação do vereador Rafael Satiê (PL-RJ) na plataforma X (antigo Twitter), na qual o parlamentar escreveu: “A Uerj, conhecida por seu reduto da esquerda, hoje está lotada de jovens adorando a Deus. Ainda há esperança para as universidades do Brasil.” A postagem ultrapassou 2,5 milhões de visualizações e gerou uma enxurrada de reações, em sua maioria críticas.


Cerca de 1.600 comentários foram registrados. Entre eles, usuários questionam a realização de cultos em ambiente universitário e relataram transtornos causados pelo volume do som durante as aulas. Frases como “o povo querendo estudar e crente querendo faturar”, “universidade virou igreja agora?” e “minha professora teve que interromper a aula inúmeras vezes” refletem o tom das queixas.


Apesar das críticas predominantes, também houve manifestações de apoio ao culto. Uma usuária argumentou que festas universitárias não costumam ser alvo de reclamações, enquanto eventos religiosos enfrentam resistência.


Coletivos cristãos na Uerj


A presença de grupos religiosos na Uerj não é novidade. Diferentes coletivos cristãos mantêm atividades regulares no campus, com propostas que combinam espiritualidade, acolhimento e reflexão.


Um dos movimentos mais consolidados é a CRU, que completa 30 anos de atuação na Uerj em 2025. Fundada em 1951, nos Estados Unidos, a organização surgiu no campus da Universidade da Califórnia (UCLA), idealizada pelo casal Bill e Vonette Bright, e está presente em cerca de 200 países.


O nome do movimento costuma despertar curiosidade entre estudantes que não fazem parte da iniciativa. A sigla CRU tem origem na antiga denominação Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo. Segundo Marcella Nunes, estudante de Psicologia e representante do grupo na Uerj, o nome original, além de extenso, passou a ser visto como problemático ao longo do tempo. O termo “cruzada”, segundo ela, deixou de fazer sentido por carregar conotações negativas – já que remete a um período histórico marcado por guerras religiosas.


Segundo Marcella, a mudança de nome teve como objetivo tornar a identidade do movimento mais acessível e atual, adotando uma linguagem mais leve e alinhada ao universo jovem. Ela acrescenta que a nova sigla, CRU, também remete à palavra inglesa crowd (multidão), usada informalmente para se referir à “galera”, o que reforça o caráter coletivo, próximo e informal do grupo.


Com encontros semanais, o coletivo cristão se reúne todas as quartas-feiras no hall dos elevadores do primeiro andar do prédio principal da Uerj, reunindo cerca de 30 pessoas. Diferentemente das dinâmicas de uma igreja, o grupo não se propõe a promover cultos e não utiliza música nas reuniões, respeitando o fato de estar em um ambiente aberto e de circulação.



Reprodução: Acervo CRU

Universitários em uma reunião da CRU
Universitários em uma reunião da CRU


As atividades, chamadas de "Quebra Gelo" – ou simplesmente QG –, começam com uma roda de conversa voltada ao acolhimento de visitantes e à promoção da interação entre os participantes. Durante os encontros, são debatidos temas sociais à luz de reflexões bíblicas.


Marcella antecipa que os próximos encontros devem abordar temas como cansaço e descanso, saúde mental no contexto do Setembro Amarelo, fé e meio ambiente. Além das rodas de conversa e palestras, o grupo realiza ações solidárias e dinâmicas que buscam engajar os participantes de forma leve e participativa.



Reprodução: Acervo Cru

Membros da CRU participam de doação de sangue
Membros da CRU participam de doação de sangue


Apesar de atuarem além do âmbito religioso, os coletivos religiosos na Uerj frequentemente enfrentam questionamentos. A CRU, por exemplo, percebe esses desafios ao constatar que seus cartazes, afixados nos murais, são rasgados ou pichados. Em um desses cartazes, uma das mensagens mais contundentes afirma: “Aqui não é templo”, evidenciando a resistência à realização dos encontros religiosos nas dependências da instituição.


Marcella diz acreditar que quem faz tais manifestações pode enxergar o movimento evangélico como invasivo, “como se estivéssemos tomando conta do espaço”. Ela ressalta, no entanto, que o grupo está sempre aberto ao diálogo e disposto a apresentar sua proposta. “Não queremos transformar a universidade em um templo, porque entendemos que quem professa a fé cristã precisa de uma igreja”, afirma a líder da CRU, destacando o respeito ao espaço acadêmico.


Desdobramento de um post: do culto à pauta política


O post do vereador Rafael Satiê, que gerou ampla repercussão, mistura discurso político e religioso de maneira generalista. Filiado a um partido de extrema-direita, o parlamentar sugeriu que a Uerj, historicamente associada à esquerda, precisaria de “salvação”. Ao associar a ideia de redenção a pessoas com posicionamento político diferente, Satiê desloca o caráter religioso do culto para um viés ideológico, desconsiderando a pluralidade que compõe o ambiente universitário e contribuindo para a polarização do debate.


Marcella Nunes, representante da CRU na Uerj, considera problemática a associação entre a fé cristã e o alinhamento político ou partidário. Após participar do culto promovido pelo Aviva, ela expressou preocupação com as possíveis repercussões do evento, especialmente por ser aberto, o que pode atrair pessoas externas com agendas políticas que não refletem a realidade da instituição: “Só quem está dentro desse espaço realmente entende essa realidade”, destaca Marcella.


Na CRU, convivem estudantes com diversas orientações políticas, da esquerda à direita, e essa característica não interfere na participação no grupo. Marcella enfatiza que vincular fé e política só gera problemas e pode reforçar a falsa impressão de que todos os cristãos compartilham a mesma opinião política. A missionária Kathy Moraga, também do GRU, reforça: “O que une a igreja é o evangelho e no evangelho não há posicionamento político.”


Embora não utilize o X, Marcella soube da repercussão da postagem do vereador e acredita que esse tipo de manifestação alimenta a onda de críticas contra o movimento evangélico. Em conversas com colegas não cristãos, ela percebeu que o culto teria tido menos repercussão se não fosse a carga política envolvida. Ainda assim, ressalta que nem todos são contrários à presença de eventos religiosos na universidade. “Ouvi pessoas falando coisas positivas, dizendo que esses encontros estão abençoando o local”, afirma.


Para Marcella, a politização do tema, especialmente na forma como foi exposta nas redes sociais, contribuiu significativamente para a reação negativa que se seguiu.


O culto realizado na Uerj e a repercussão gerada evidenciam os desafios da presença religiosa em ambientes acadêmicos plurais e politizados. O episódio ressalta a importância do respeito à diversidade e do equilíbrio entre liberdade religiosa e o funcionamento das instituições públicas de ensino.


Diante do caráter que o vídeo e o evento tomaram, a reitoria da Uerj disse ao COMUNICA que vai avaliar o que fazer, “para estabelecer um regramento para esse tipo de evento público, e não apenas de caráter religioso, mas, também de eventos sociais que ocorrem em espaços públicos da universidade. Vão ser feitos estudos para tentar entender o que é possível do ponto de vista jurídico e administrativo para cuidar de eventos públicos dentro da Uerj.”


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