Eleita a melhor do mundo seis vezes, a jogadora, que anunciou sua despedida da seleção brasileira, deixará legado de luta pela igualdade de gênero no esporte
Por Camille Mello Redator: Nuno Melo
Foto: Sam Robles/CBF
A atleta de 38 anos planeja se aposentar dos campos em breve
Ao que tudo indica, o fim da era Marta está próximo — ao menos na seleção brasileira de futebol. No fim de abril, a craque de 38 anos anunciou que está vivendo seus últimos momentos com a camisa verde e amarela. “Independentemente de ir para Olimpíada ou não, este é meu último ano com a Seleção. Não tem mais Marta a partir de 2025 na Seleção como atleta”, disse ela, em entrevista à CNN Esportes. “Tem um momento em que a gente tem que entender que chegou a hora. Estou muito tranquila em relação a isso, porque vejo com muito otimismo esse desenvolvimento que a gente está tendo com as atletas jovens”, avaliou a rainha do futebol, que tem consciência de seu legado. Da origem humilde no interior de Alagoas à conquista dos seis troféus Fifa de melhor jogadora do mundo, a trajetória da craque é fonte de inspiração para novas gerações de esportistas, mas a maior lição que Marta nos deixa é a de não aceitar menos do que merece.
Ao longo de uma carreira brilhante, a jogadora alcançou feitos extraordinários, incluindo o título de maior artilheira em Copas do Mundo, entre homens e mulheres, ao alcançar o número recorde de 17 gols em mundiais. No entanto, sua história também é profundamente marcada por uma luta constante contra a desigualdade de gênero no esporte. Ao longo de sua carreira, Marta se posicionou firmemente contra a disparidade gritante nos patrocínios e nas condições de trabalho entre homens e mulheres no futebol. Ela recusou todas as propostas de grandes patrocinadores esportivos como Nike, Adidas e Puma por não considerar justos os valores oferecidos.
Foto: Divulgação/Go Equal
Marta usa chuteiras sem marcas esportivas que exibem o símbolo do movimento Go Equal
Em diversas ocasiões, inclusive nas Copas de 2019 e 2023, a craque ousou usar chuteiras sem marca visível de patrocínio esportivo, como forma de protesto. Nos pés, ela exibiu apenas seu talento e o símbolo do movimento internacional Go Equal, que prega igualdade de gênero no futebol. A atitude da alagoana foi considerada radical por muitos fãs do esporte e criticada por ex-jogadores, como Vampeta. “Essa revolta é muito boa quando você vive num país como a Noruega, que não tem problema financeiro, é estável. A Marta é de Alagoas, deve ter o seu patrimônio e está rasgando dinheiro. Daqui a duas semanas, quando acabar esse Mundial, ninguém vai mais lembrar. E, aí, ela vai ter deixado de ganhar o dinheiro, porque está jogando sem patrocínio”, disse o comentarista durante o programa Esporte em Discussão da Rádio Jovem Pan em 2019. Já Marta defendeu que a mobilização não tem preço. “Eu me sinto no direito de me valorizar, por tudo que a gente foi conquistando ao longo do tempo, seja dentro ou fora de campo. Eu queria dar esse exemplo para outras atletas e para que a gente possa buscar por igualdade juntas”, afirmou a jogadora em entrevista ao programa Globo Esporte em 2020.
O abismo na remuneração de homens e mulheres permanece, já que, mesmo sendo a jogadora mais bem paga do planeta, faturando cerca de US$ 400 mil (R$ 2,1 milhões), Marta recebe o equivalente a 0,8% do salário de Neymar, segundo um levantamento feito em 2023 pelo jornal espanhol Marca. Contudo, ao contrário do que sugeriu Vampeta, protestos como os feitos por Marta têm, sim, gerado mudanças importantes.
Em 2020, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) passou a pagar os mesmos valores de diárias e premiações para jogadoras e jogadores durante os períodos de preparação e jogos. Após seis anos de batalhas judiciais, as jogadoras da seleção dos Estados Unidos, maior campeã da história das Copas do Mundo femininas, finalmente conquistaram a igualdade salarial em 2022, por meio de um acordo histórico com a Federação de Futebol dos EUA (US Soccer). A expectativa é de que na Copa do Mundo Feminina de 2027, que será realizada no Brasil, a Fifa cumpra sua promessa de equiparar as premiações dos Mundiais masculino e feminino. Caso esteja lá, em campo ou na plateia, Marta poderá confirmar que, afinal, sua luta valeu a pena.
Infelizmente ela é menos conhecida do que deveria ser no Brasil