Foto: Pexels
Por Gabriel Amaro
A vida urbana, com seu turbilhão de vozes, cores e movimentos, é um espetáculo à parte quando visto da janela de um ônibus. Num piscar de olhos, passam-se cenas de um filme em constante exibição, em que não existem cortes, e a câmera nunca para de rodar. Para Pedro Ferreira, estudante de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), aquele trajeto diário se transformava em uma aula extra, na qual a vida urbana era a disciplina e os passageiros seus professores involuntários.
Aos olhos de Pedro, a cidade tinha vida própria. O Rio, que muitos viam como uma metrópole frenética, era para ele um caleidoscópio humano em movimento. O caminhar das pessoas, as cores das fachadas, os sons – tudo compunha uma sinfonia urbana que ele aprendeu a apreciar. As manhãs, geralmente envoltas numa luz suave, pareciam pintadas por um artista impressionista. Da janela do ônibus, Pedro observava o vendedor de jornais, com seus passos rápidos e voz estridente, a velhinha que alimentava os pombos no parque, o grupo de adolescentes rindo e brincando enquanto caminhava para a escola. Cada rosto era uma história, cada gesto um capítulo, cada expressão um poema. Pedro sentia-se como um flâneur moderno, capturando fragmentos de humanidade do conforto do seu assento no ônibus. Era apenas um observador atento, enxergando a poesia escondida nos cantos mais banais da existência.
O sol da manhã mal se levantara quando ele adentrou o veículo, que ainda cheirava a graxa e café. Naquele mundo em miniatura que era o ônibus, Pedro encontrava todo tipo de personagens: lá estava a moça com o livro de Clarice Lispector, com olhos que bailavam sobre as páginas e uma alma mergulhada em outra realidade; o jovem de fones de ouvido, a cabeça ritmada por algum rap que ninguém mais ouvia, enquanto suas mãos acompanhavam o ritmo imaginário; o senhor, com seu uniforme desgastado pelo tempo e pelo trabalho, cujo olhar perdido na distância sugeria histórias nunca contadas.
Havia o motorista, sempre mal-humorado, resmungando para os passageiros apressados. A idosa com suas sacolas de mercado, que sempre pedia ajuda para descer. O jovem de terno, com olhar distante, absorto em seus pensamentos. E a estudante de cabelos cor de cobre, que sempre entrava duas paradas antes da universidade e que, secretamente, era o centro das divagações de Pedro.
Aquelas figuras diversas, reunidas temporariamente naquele espaço coletivo, eram representações da cidade em sua essência: múltipla, dinâmica, vibrante. Ali, Pedro aprendia sobre a tolerância e a empatia, ao se ver em meio a um microcosmo de diferenças. A universidade lhe ensinava teorias, mas era a cidade que lhe dava a prática.
Em meio a essa avalanche de observações e pensamentos, Pedro percebeu que a cidade era um reflexo dele mesmo. Assim como o Rio, ele era plural, estava em constante movimento, abrigava em si um universo de sonhos, esperanças, frustrações e alegrias. E, como o cenário, estava sempre se reinventando: a cada viagem, a cada novo dia, Pedro se permitia aprender com a cidade, a se moldar e a ser moldado por ela. No vai e vem do ônibus, ele entendia a vida de uma maneira que a universidade jamais poderia ensinar. Ao final de cada jornada, ao descer na Uerj, ele sabia que tinha muito mais do que um diploma para buscar – havia uma cidade inteira para compreender, para amar e para viver. E era exatamente isso que ele faria.
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