Competição inédita na América do Sul pode fortalecer a modalidade, historicamente desvalorizada no país
Por Camille Mello Redator: Nuno Melo
Ilustração: Ayana Simões / CBF
"Natural como futebol" é o slogan da candidatura do Brasil à sede da Copa do Mundo feminina.
Dez anos após sediar a Copa do Mundo de futebol masculino, o Brasil está na disputa para receber o próximo Mundial feminino do esporte. A competição, prevista para ocorrer em 2027, é vista pelo governo como oportunidade para fortalecer e desenvolver a modalidade no país. Para isso, será preciso reduzir a distância entre o futebol masculino e o feminino.
A Fifa confirmou a candidatura brasileira em março, após realizar visitas técnicas em quatro das dez cidades indicadas para sediar os jogos. Durante o período de inspeção, a comitiva da entidade se reuniu com integrantes do governo federal, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e membros da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Na ocasião, autoridades reforçaram que o Brasil dispõe de infraestrutura para receber o megaevento, já que sediou a Copa de 2014.
Além disso, o torneio foi apontado como uma oportunidade para impulsionar a modalidade no país. “Estamos bastante confiantes, não só pela estrutura que o Brasil oferece, mas também pelo crescimento linear que está havendo no futebol feminino em nosso país, onde temos mais competições e mais clubes disputando. E também a cadeia de gestão, com muitas treinadoras sendo preparadas”, afirmou Ednaldo Rodrigues, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em entrevista para o portal de notícias da Presidência da República.
Na disputa pela décima edição da Copa do Mundo de Futebol Feminino, também estão outros dois grupos de países que lançaram candidaturas conjuntas - sistema inaugurado no Mundial passado, sediado simultaneamente pela Austrália e Nova Zelândia. O primeiro grupo é composto por Estados Unidos e México. O trio Alemanha, Holanda e Bélgica também está concorrendo. A proposta vencedora será anunciada pela Fifa no dia 17 de maio.
Se a candidatura brasileira for vencedora, teremos não só a primeira Copa feminina em solo nacional, mas também a primeira realizada na América do Sul. Quem sabe, como anfitrião, o Brasil também conquiste sua primeira estrela no futebol feminino, reduzindo a distância em relação à seleção masculina, cinco vezes campeã do mundo. Esse abismo se dá pela desigualdade histórica de investimento e reconhecimento entre equipes femininas e masculinas do esporte.
Embora esteja se profissionalizando, o futebol feminino ainda é uma modalidade predominantemente amadora no país. Conforme dados do Diagnóstico do Futebol Feminino do Brasil, divulgado pelo Ministério do Esporte em 2023, apenas 19,2% das atletas possuem vínculo profissional e 4,9% possuem contrato de trabalho temporário. A pesquisa também revelou que 47,9% das jogadoras da categoria adulta não recebem qualquer remuneração ou ajuda de custo. Segundo pesquisa da Sports Value o Brasil tem menos de 12 mil atletas registradas no futebol feminino.
O cenário atual ainda remete à realidade precária que a modalidade se encontrava na década de 1980, quando finalmente foi regulamentada pela CBF, após ter sido proibida por quase 40 anos. A primeira seleção feminina de futebol, formada em 1988, enfrentou dificuldades no acesso a salários justos e a recursos básicos como uniformes, treinamento de qualidade e infraestrutura adequada. Apesar de conquistarem importantes vitórias, como os primeiros títulos sul-americanos em 1991, 1995 e 1998 e o bronze no primeiro torneio experimental internacional da Fifa em 1988, essas jogadoras pioneiras foram relegadas ao ostracismo.
Foto: Acervo do Museu do Futebol
Primeira seleção feminina em 1988.
O documentário As Primeiras (2023), recentemente lançado na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, resgata a história pouco conhecida de sete atletas que participaram da primeira Copa do Mundo feminina realizada 61 anos depois da masculina. “Na Copa de 1991, os uniformes eram grandes, largos, não eram feitos para a gente. E, detalhe: tínhamos que lavar nossos uniformes. Se não secasse, a gente tinha que jogar com ele molhado mesmo. Não tínhamos nada, não havia nem tempo de descanso, era um jogo após o outro”, disse a ex-jogadora Marilza da Silva, a Pelézinha, em depoimento no filme.
Com a carreira no futebol interrompida por falta de recursos e patrocínios, as atletas retratadas no longa-metragem, todas cariocas e moradoras do subúrbio, vivem hoje de trabalhos informais, como vendedora ambulante, motorista de aplicativo, churrasqueira, pedreira e treinadora de futebol em projetos sociais — uma aposentadoria bem diferente da dos craques.
Confira o teaser do documentário As Primeiras: https://vimeo.com/902402099
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