Apesar da identidade secreta, seu herói ainda é humano
- Comunica Uerj
- 16 de set.
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Como elevação de atletas ao status de ídolos máscara sua humanidade
Por: Luis Felipe
Foto: Qian xie/Pixabay

Se em manchetes de jornal aparecesse que uma empresa obrigou um pai de família a voltar ao trabalho após alguns dias da perda de seu filho, apesar de não possuir bola de cristal, é fácil prever que a reação geral seria de revolta e comoção com a situação desumana à qual o trabalhador foi imposto. E se fosse revelado que isso de fato aconteceu, e que Cristiano Ronaldo teve que jogar para dezenas de milhares de pessoas cinco dias depois da morte do próprio filho? Nesse caso, o sentimento foi outro: a exaltação da força sobrenatural do atleta de continuar buscando seus objetivos mesmo diante das adversidades. Fica difícil explicar que, apesar dos feitos quase olimpianos, o gajo e outros atletas que estão no panteão do esporte não são semideuses e, como nós, também sentem a vida.
A mente de grandes figuras do esporte sempre é exaltada, muitas vezes com uma certa dose de misticismo em torno dela.
Cristiano Ronaldo, por exemplo, que tem seu nome constantemente referenciado como um espécime raro e com psicológico inabalável, chocou o mundo ao chorar na beira do gramado após perder um pênalti na Eurocopa de seleções, em 2024. Por que uma pessoa se emociona depois de cometer um erro que poderia ocasionar uma situação irreversível para sua equipe causa tanto espanto?
Em 2018, um trabalhador carioca, preso no caótico trânsito do Rio de Janeiro, gravou um dos áudios mais compartilhados dos últimos tempos dentro da bolha do futebol, no qual grita, a plenos pulmões, sobre a capacidade que o atacante português teria de, com um simples olhar, transformar qualquer pessoa em Ronaldinho Gaúcho. Como se possuísse superpoderes psíquicos capazes de contagiar todos à sua volta.
Fazendo uma breve analogia com personagens de quadrinhos: no imaginário popular, não existe a dicotomia de Clark Kent e Super-Homem na vida real, com os atletas estando 24 horas por dia vestidos na persona de heróis. Ao derramar lágrimas, a figura santificada e inquebrável do ídolo se desfaz, e o lado humano — semelhante ao daqueles que lhe assistem — volta a aparecer. É difícil enxergar através dessa máscara que foi posta para esconder a identidade secreta. O que, nas histórias, serve para ocultar quão poderoso é o herói, na vida real funciona como uma fantasia para disfarçar sua fragilidade. Como o pai enlutado Cristiano Ronaldo vai digerir o próprio luto, se o vencedor de seis prêmios de melhor jogador do mundo precisa performar contra o Arsenal no domingo?
Essa situação remete ao debate sobre quem cuida da saúde mental dos atletas e como a desconstrução da aura mitológica em torno deles é benéfica tanto para quem assiste quanto para os diretamente envolvidos. No dia 7 de setembro, a seleção brasileira feminina de vôlei venceu o Japão e conquistou a medalha de bronze em uma partida duríssima, decidida no set de desempate. A vitória, no entanto, acabou ficando em segundo plano, poucos dias depois, diante da imagem da ponteira Júlia Bergmann, aos prantos, sendo consolada por uma coach após a derrota para a Itália, tomou as redes sociais. A mensagem era clara: o público entende que atletas de alto rendimento precisam de profissionais responsáveis pela saúde mental.
Isso sinaliza, talvez, uma mudança na relação do espectador com seus próprios ídolos do esporte e na compreensão de que ninguém consegue lidar sozinho com a pressão que a vida impõe.
No Brasil, Setembro Amarelo é o mês da prevenção ao suicídio, no qual ocorrem debates e campanhas de conscientização sobre a importância de conversar e procurar ajuda especializada. No entanto, no ambiente esportivo ainda se encontram resistências e subvalorização da presença de psicólogos no dia a dia dos atletas — fomentadas pelo mito de que todo atleta não é um exemplar comum.
matéria incrível para falar sobre saúde mental no ambiente esportivo 👏🏻👏🏻