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Educação crítica para enfrentar desastres ambientais: podcast ‘Educar para o fim do mundo’ ressalta o poder da confluência de saberes e vivências

  • Foto do escritor: Comunica Uerj
    Comunica Uerj
  • 16 de set.
  • 5 min de leitura

Estudantes de biologia e de geografia destacam ponte entre comunidade e universidade na luta pela mitigação dos efeitos das enchentes urbanas


Por: Carlos Roberto


Foto: Carlos Roberto

Cartaz de divulgação do projeto piloto. Trabalho faz parte da conclusão da disciplina     ‘Metodologias em educação ambiental’
Cartaz de divulgação do projeto piloto. Trabalho faz parte da conclusão da disciplina ‘Metodologias em educação ambiental’

O ambiental não está separado do social. Esse é um conceito básico da educação social crítica, e o cerne da questão abordada pela apresentadora Rafaela Gavinho no podcast Educar para o fim do mundo, um projeto final da disciplina Metodologias em Educação Ambiental. Rafaela, estudante de biologia, se juntou com mais duas colegas de curso, Luana Lima e Rebeca Moura, além de Stephane Lima, de geografia. O objetivo é alertar acerca das mudanças do clima, através de relatos impressionantes com a vivência das enchentes. Não há como pensar nessas mudanças para mitigar os desastres climáticos sem antes refletir sobre os fatores responsáveis por eles, e sem despertar na população o conhecimento de modo que ela possa cobrar as políticas públicas. Através da divulgação de cartazes pelos corredores da universidade, deparei-me com o episódio piloto Quando o clima revela as feridas da cidade: o lado oculto das enchentes urbanas e ouvi muito mais do que uma entrevista: foi uma aula magna carregada de senso de humanidade, sensibilidade e um forte compromisso com a pesquisa e o conhecimento acadêmico, transmitido de forma tão concisa e objetiva, com relatos que nos aproximam à dura realidade.


O carioca enfrenta o problema das enchentes com uma certa de humor porque o riso é a fuga do colapso. Nas redes sociais, quando este assunto atinge os tópicos principais, o meme do motorista ilhado e revoltado cobrando o prefeito Eduardo Paes é carta marcada. Contudo, apesar das risadas garantidas, a preocupação e a angústia são elementos marcantes em nossas vivências. Rebeca conta que em 2023 entrou muita água em sua casa, no município de Belford Roxo, em um bairro cortado pelo Rio Botas e marcado pela alta probabilidade de transbordamento. Mais ou menos 1 metro de água que sujou as paredes e estragou eletrodomésticos, mas para ela, o maior dos impactos é o emocional, o medo de acontecer de novo, e o desamparo das populações vulneráveis face ao abandono do poder público. A falta de prontidão e de planejamento prévio resulta em um ciclo de transtornos emocionais e riscos à saúde. Quando eu morava com minha mãe, 8 anos atrás, a água inundou a sala e parte da cozinha. Ela entrou em profundo desespero enquanto minha irmã tentava acalmá-la e eu escoava com o rodo. Foi uma noite sem sono, pois o barulho da chuva, que é popularmente conhecida por transmitir a ideia de calma, se transformou em um pesadelo. Após a reforma feita por mim e nossos irmãos, ela não passa mais por esse transtorno. A população depende de si mesma, quer seja para oferecer mutirões de limpeza, seja para doações de cestas básicas e oferta de apoio emocional e psicológico. O senso de comunidade junto à dureza de saber que quem ajudou também pode passar pela mesma situação de quem foi amparado. Invisível aos olhos do poder público haja vista a política segregadora e gentrificadora enraizada no planejamento urbano, a população periférica sobrevive com as sequelas que deflagram um importante conceito abordado no episódio: a injustiça climática. Segundo Rebeca, as desigualdades sociais e econômicas ligadas a desastres climáticos atingem de forma desproporcional as populações mais vulneráveis como as de periferia, os ribeirinhos, os indígenas, que estão menos aptas a enfrentar esse evento extremo, enquanto os benefícios de um desenvolvimento industrial favorecem as populações mais ricas. E essa injustiça é atrelada ao racismo ambiental, termo que surgiu na década de 80 e popularizado dois anos depois pelo sociólogo e ativista Benjamin Chaves, refletindo a forma como as decisões políticas e econômicas são estruturadas por desigualdades raciais, sociais e territoriais. O silêncio e a inaptidão em detrimento da tomada de decisões sensatas revela quem paga o preço da degradação ao meio ambiente. Esse trecho da entrevista me fez lembrar da palestra do Carlos Minc, quando ele diz que ninguém escolhe morar na favela, isso é resultado de uma política de exclusão e de falta de programas sociais de habitação, de saneamento básico e de saúde pública.


A injustiça climática e o racismo ambiental nos levam a compreender outro termo: a ansiedade climática, termo utilizado para descrever o sofrimento psicológico e a frustração às mudanças climáticas e os impactos tanto no presente quanto para o futuro. No nosso dia a dia passamos por situações às quais nosso corpo envia sinais de alerta para fuga ou combate. O sistema nervoso simpático é responsável por essas respostas, o que faz aumentar os níveis de estresse em ocasiões de perigo. Quando somos informados de que uma frente fria se aproxima na cidade, o medo aumenta. O sentimento é compartilhado pelas meninas. Como vou chegar e voltar da Uerj? Como está minha casa durante essa chuva? Todas essas dúvidas pairam à cabeça e revelam uma angústia inesgotável.


Apesar dos inúmeros apontamentos negativos, existem pontos positivos: a criação de agendas elaboradas com lideranças locais e a ação da população, com pautas realistas que visem a mitigar os danos. Estas agendas locais dos municípios são importantes para a formulação da Agenda 2030 do Rio de Janeiro, que compreende os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU. O estado parece não caminhar para cumprir estes objetivos, e as promessas se arrastam enquanto as calamidades são vivenciadas com cada vez mais frequência. Organizar e melhorar as perspectivas para nosso futuro deve partir do plano material e, nesse sentido, Luana ressalta a criação da política de cotas nas universidades. A democratização do acesso ao ensino público por pessoas pretas, pardas e indígenas trouxe as histórias vividas por essas populações, muitas delas vivendo em áreas vulneráveis.


Assumindo lugar de fala, elas compartilham seus saberes, se qualificam e levam de volta para suas respectivas comunidades, gerando uma ponte entre o espaço acadêmico e a população que somente é possível graças a essa política inclusiva e poderosa. Relembrando mais uma fala de Carlos Minc, a transformação acontece, de fato, com a confluência de saberes. A sabedoria popular rompe a distância da academia com a comunidade. O papel valioso da comunicação é o de estreitar laços, e não de alijá-los. Fiquei surpreso com esse apontamento da Luana. A informação abre caminhos para novas perspectivas, e um olhar sensível e crítico é fundamental para almejar esse exercício. Elas ofereceram um espaço para os ouvintes escreverem seus depoimentos ao enfrentarem inundações e alagamentos, destacando que as mudanças ambientais devem mexer com toda a estrutura coletiva social e cultural, e não apenas nos nossos hábitos. Portanto, a educação crítica é a fonte para alcançarmos estes objetivos. Aproximar todos os termos técnicos estudados à realidade da população é um ato libertário de transmitir o conhecimento e a autonomia para se entender a realidade.



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