Cazuza em Audição: Liberdade, poesia e rebeldia que atravessam gerações
- Comunica Uerj
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Álbum ‘Ideologia’ é revisitado como obra que resiste ao tempo e ainda ilumina os dilemas do presente.
Por Alexandre Augusto
Foto: Reprodução

Letras e melodias do álbum Ideologia (1988), de Cazuza, foram o foco de uma audição promovida pelo Laboratório de Estudos de Poesia e Vocoperformance (LEV), vinculado ao Instituto de Letras da Uerj. O encontro ocorreu no último dia 14 de outubro e foi mediado por Rafael Julião, professor da Faculdade de Letras da UFRJ e integrante do LEV.
Durante a atividade, sucessos como Ideologia, Blues da Piedade e Brasil – além de faixas menos conhecidas do grande público, como Minha Flor, Meu Bebê, Obrigado e Orelha de Eurídice – foram analisados sob uma perspectiva política e cultural. As discussões situaram o álbum no contexto histórico do final dos anos 1980 e início dos anos 1990, período caracterizado pela redemocratização do país e pela epidemia da aids, influências centrais nas composições do artista, que marcou toda uma geração.
Foto: MK

“Foram poucos discos, se considerarmos uma carreira entre 1982 e 1990, mas Cazuza ocupa um lugar enorme no imaginário dos anos 80. É impossível falar daquela década sem falar dele”, analisa Julião.
Apesar da trajetória curta, Cazuza se consolidou como um artista que fez questão de se expor e incorporar, em sua obra, um ideal radical de liberdade do corpo, da mente e dos desejos. “Experiências com drogas e sexualidade são, em última instância, experiências da liberdade do corpo. As drogas ocupam esse lugar de ampliação da percepção, de abertura para outras formas de realidade e de identidade”, afirma Julião.
Essas expressões libertárias, herança direta dos anos 1970, foram sendo abaladas com o tempo. A década já trazia alertas com as mortes de Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrison. Mas foi a aids, nos anos 1980, que impôs um duro revés: transformou a sexualidade em campo de medo, repressão e moralismo. “Meu sexy and drugs não tem mais rock and roll – esse foi o nível de encurralamento desse período”, observa Julião.
Cazuza viveu essa transição. Se no início da carreira exaltava a liberdade absoluta – “não faz do sexo um problema” –, em suas composições finais, como Sonho a Dois, revela frustração com o fim de um sonho coletivo, agora atravessado pelo medo, pela doença e pela perda. A crise sanitária também fortaleceu discursos conservadores, que usaram a aids para reforçar a moral tradicional.
Ao mesmo tempo, o álbum Ideologia traz as letras mais politizadas da discografia de Cazuza. É desse período a célebre declaração do artista: “Parei de falar um pouco do meu quintal e passei a falar da minha geração”.
Cazuza, ontem e hoje
Mais de três décadas após sua morte, a poesia rebelde e contestadora de Cazuza continua reverberando. Suas letras seguem dialogando com novas gerações, atravessando o tempo com uma linguagem visceral, poética e politizada. “Eu não sabia que dava para ser triste e sexy, urgente e melancólico ao mesmo tempo. O Cazuza me fez descobrir tons de sentimentos que eu nem sabia nomear”, compartilha o professor Julião, que cresceu ouvindo o artista.
Cazuza foi uma referência direta na formação da identidade do professor, representando uma liberdade possível em uma geração que via no corpo e na arte formas de resistência e expressão. “Ele me ajudou a moldar minha percepção de mundo”, resume.
Décadas depois, a poesia rebelde e contestadora de Cazuza continua reverberando. Para muitos jovens de hoje, as canções do artista funcionam como um espelho – refletindo angústias, contradições e desejos que continuam atuais – e uma ferramenta para pensar o Brasil contemporâneo.
Antônio Marcos, estudante de Letras - Português e Literatura na Uerj, afirma que o cantor foi um marco em sua formação. O jovem de 26 anos – que prefere ser chamado de MK – contou que teve uma conexão imediata com o artista. Ao ouvir suas canções, o aluno passou a buscar referências literárias que apareciam nas letras – e foi assim que descobriu, por exemplo, os poetas malditos da França, como Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire.
Para MK, Cazuza não é apenas uma figura do passado. “Ele não está de corpo presente, mas a voz, a imagem e o discurso continuam influenciando os jovens que buscam novas formas de pensar o mundo”, diz. Segundo o aluno, temas como sexualidade e desigualdade continuam atuais, especialmente nas periferias, e a obra do artista oferece linguagem e reflexão para enfrentá-los: “Os jovens também estão em busca de entender sua sexualidade ou encontrar ferramentas para combater o racismo. A obra dele oferece isso.”
Próximas audições
A programação do Laboratório de Estudos de Poesia e Vocoperformance (LEV) segue até dezembro, com encontros dedicados a grandes nomes da música brasileira. Nas próximas sessões, serão exploradas as obras de artistas como Jorge Ben Jor, Gal Costa, Martinho da Vila, Maria Bethânia e Tom Zé. As atividades acontecem sempre às terças-feiras, às 14h, no Instituto de Letras da Uerj, campus Maracanã, sala 11.111.
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