Dandismo negro: o que a antropologia tem a dizer sobre tema do Met Gala
- Comunica Uerj
- há 10 horas
- 3 min de leitura
Escolha do tema repercutiu, mas você entende o que é e a importância dessa estética para corpos negros?
Por: Carolina Braz Coutinho
Ternos de alfaiataria feitos sob medida, caimentos perfeitos e looks elegantes fabulosamente ajustados desfilaram sob uma das escadarias mais emblemáticas do mundo da moda no dia 5 de maio. Dessa vez, o icônico tapete vermelho deu lugar ao azul, e os flashes, sempre direcionados às mesmas celebridades, tiveram novos alvos graças à escolha do tema Superfine: Tailoring Black Style (Alfaiataria do Estilo Negro, em tradução livre) para a edição. O tema se baseia no livro Slaves to Fashion: Black Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity (Escravos da Moda: Dandismo Negro e a Estilização da Identidade Negra Diaspórica), escrito por Monica Miller. Este livro mergulha na história cultural do dandismo negro, que remonta aos períodos da escravidão e da diáspora africana.
Foto: Larry Dunstan Archive

O redirecionamento das atenções também se mostrou na seleção para a copresidência do evento, que contou com personalidades como Lewis Hamilton, Colman Domingo, A$AP Rocky e Pharrell Williams, além da presença tradicional de Anna Wintour. O visual deles e de outras celebridades já foram comentados à exaustão, por isso, na coluna desta semana, viajaremos no tempo para compreender as origens e o impacto dessa estética para corpos negros e de sua visibilidade em um evento como o Met Gala.
Inicialmente, no século XVIII, as vestimentas elegantes eram impostas a homens negros como forma de distinção dos tidos como “escravos de luxo”. Contudo, a estratégia de dominação foi ressignificada e subvertida por eles naquele mesmo século, e passaram a utilizar a alfaiataria como instrumento de autoafirmação, expressão identitária e empoderamento diante da violência colonial em uma sociedade escravocrata.
Nesse tópico, Bárbara Copque, antropóloga visual, pós-doutora em Ciências Sociais e, por 10 anos, docente de Antropologia da Moda, defende que, considerando o momento de surgimento dessa estética, não se deve limitar a análise sobre o dandismo como uma estética branca europeia apropriada ou incorporada por corpos negros. Segundo ela, o dandismo deve ser entendido como uma reincorporação — por assimilação e transformação — de uma estética ancestral: “Como uma memória corporal,” disse a antropóloga.
Ainda sobre as origens da adoção dessa estética por pessoas negras, Bárbara destacou a espiritualidade, as necessidades políticas e as tradições como fundamentos para a construção do dandismo negro em um contexto de diáspora africana. E afirmou: “A aproximação estética com o dandismo fala mais de uma subversão, de uma afronta, de um protesto silencioso, do que qualquer outro pensamento.”
Isso leva à compreensão da moda como um dispositivo de resistência. Nesse caso, o vestir-se elegantemente representa, segundo a professora, uma estratégia de sobrevivência e um ato político, que contribuiu fortemente para a autoafirmação social do negro. A antropóloga observa, inclusive, a roupa como uma espécie de armadura: “A roupa, investida de poderes mágicos — já que se constitui rica de simbolismo —, nos veste com o poder de enfrentamento,” ela afirma.
Ampliando a discussão para além da figura do dândi negro americano, a colunista propõe aqui uma reflexão acerca das manifestações do dandismo negro no Brasil. Observando com atenção os elementos que compõem essa estética, é difícil identificar outro contexto — no qual eles se façam tão presentes — que não na musicalidade afro-brasileira: por meio de personalidades como Pixinguinha, Cartola e Paulinho da Viola, e personagens do Carnaval como os próprios carnavalescos e Mestres-Sala.
Foto: Reprodução/Instagram

Além disso, a antropóloga Bárbara expandiu ainda mais o leque de referências, destacando Zé Pilintra como um dos nossos maiores dândis. Afinal, o terno de linho e o chapéu Panamá são referências constantes, tanto no vestuário de artistas negros nacionais quanto na espiritualidade afro-brasileira, e a associação é inevitável.
Assim, a combinação entre estética e música auxiliou na inserção e valorização da cultura negra na América pós-diáspora, e contribuiu para a visibilidade e valorização de corpos negros no imaginário social. Contudo, Bárbara reforça que não se pode afirmar uma ruptura de estereótipos racistas por meio desses dispositivos. Um exemplo da conservação do racismo foi o movimento que surgiu em resposta ao dandismo negro, ainda no século XVIII: as charges e caricaturas racistas e os espetáculos de “black face” para estereotipar e ridicularizar os dândis negros.
Apesar da presença do racismo velado — e, às vezes, nem tão velado assim — na sociedade, o dandismo segue subvertendo noções de raça, gênero e cultura, e munindo corpos negros de um instrumento de resistência às violências diárias. Por isso, reconhecer a importância dessa estética para essas comunidades é reconhecer a história e a força dos povos afro-americanos.
Comments